O ideograma como linguagem
Na linguagem dos semióticos a significação de um signo (palavra, símbolo) se compõe pela soma do significante (signo visível) mais o significado (idéia proporcionada pelo significante). Na palavra falada ou na escrita fonética, sem uma significação, não existe nenhuma conexão entre o objeto e a palavra que o representa, porque tudo depende apenas de convenção. Exemplificando, se escrevo árvore, todos os alfabetizados em línguas de alfabeto romano estão aptos a ler o significante, mas apenas os que conhecem seu significado terão sua significação.
O ideograma nos proporciona essa agudez imagética, no dizer de Eisenstein. É a imagem pictográfica que fala por si, e pela sutileza de sua concepção, nos mostra o dinamismo da emoção ali visível. É o significante que dispensa o significado e salta imediatamente para a significação, ou se funde à significação, desenhando a palavra que é ao mesmo tempo pintura e poema. Fenollosa diz que o ideograma é a palavra pintada em movimento.Cita a hipótese de Derrida, que vê na formação do ideograma, rastros da escrita e a denomina arquiescritura, sugerindo uma arqueologia da escrita, e prossegue: “a etimologia (do ideograma) fica constantemente visível, conserva o impulso e o processo criadores à vista e em ação….. carreando uma acumulação de significado a que uma linguagem fonética dificilmente pode pretender.” É a comunicação sem intermediários, cuja etimologia da idéia, instiga nossa inteligência e sensibilidade a deduzir a mensagem ali presente.
Esse método ideogrâmico de compor, como a ele se refere Ezra Pound, via Fenollosa, ou a passagem do pensamento por imagens para o pensamento conceitual, criou na alma do japonês uma vocação interpretativa que influenciou profundamente sua cultura. A poesia japonesa, particularmente o haikai, de mínima materialidade num máximo de expressão, é característica inconfundível desta cultura. A onomatopéia (reprodução de sons associados ao objeto ou ao fato) é recurso largamente utilizado na língua. No entanto, esta singularidade da língua japonesa ultrapassa o conceito estrito da onomatopéia, pois o japonês a utiliza para expressar as coisas materiais ou imateriais, audíveis ou não audíveis. O japonês se comunica “sonorizando ou pintando as idéias” e, analogamente ao princípio de elaboração dos ideogramas, algumas foneticamente, outras, pelo que o fato pode sugerir, visível ou não, interpretando-se daí som inexistente. O cair da chuva é descrito pela onomatopéia “zaa-zaa”, os objetos se espalham fazendo “para-para”, algo esfarrapado está “boro-boro”, a dor de cabeça “produz o som” zukkin-zukkin”, o andar formoso da moçoila, “shanari-shanari” e “notari-notari”, descreve os movimentos ondulatórios suaves. Ao descrever a sensação de alívio, físico ou psicológico, o japonês se sente “sukkiri”; entrar sorrateiramente é entrar “kossori”.
O animismo (crença de que tudo é dotado de alma), incutido na consciência coletiva pelo panteísmo (cada coisa tem seu deus próprio) xintoísta deve ter levado este povo a um profundo respeito à natureza, dando “voz” a seus elementos. Fato é que a partir de fatos visíveis ou audíveis, o japonês criou também a figura onomatopaica correspondente a fatos ou coisas não audíveis ou não visíveis. A este aspecto do pensamento japonês, condicionado fortemente pela idéia da construção do ideograma, Haroldo assim se manifesta: “esta dimensão visual da poesia japonesa, herdada por via do ideograma, permite-lhe um extremo refinamento de percepção, um grande poder de síntese imaginativa, em consonância, aliás, com as propensões do espírito poético japonês, manifestadas mesmo numa fase primitiva, de poesia não-escrita……(hai)cai não é mais do que a extensão da técnica do kanji, deste método de composição analógica que preside à notação ideográfica…..”
O ideograma em si, pela natureza de sua composição, “pode ser”, como diz Haroldo, “em si próprio, pela alta voltagem obtida com a justaposição direta dos elementos, um verdadeiro poema completo: (por ex, em japonês) akari (明かり), em chinês, ming ou mei = sol (日) + lua(月), ou como interpreta Pound, “processo de luz total” (em japonês, na forma adjetiva, akarui (明るい)= brilhante); e, mais ainda, perceberemos que o haicai não é outra coisa senão a manifestação de análoga “forma mentis”, desenvolvida em combinações mais elaboradas, se bem que sujeitas, sempre à mais extrema economia de meios”.
Fontes:
Umberto Eco – A estrutura ausente – Ed Usp e Perspectiva – ed 1971
Ideograma
A Arte no horizonte do provável – Haroldo de Campos – Ed Perspectiva 4.a ed – 1977
7 thoughts on “O ideograma como linguagem”
poderiam enviar para mim o ideograma com a palavra
MATSURI. grato
queria tutuar um ideograma kanji dizendo meu nome sendo guerreiro é possivel? em poucos ideogramas ex
JOVERSON O GUERREIRO
gostaria de fazer uma tatuagem em ideograma escrito viver o momento como posso achar?
Boa noite amigo, gostaria de saber os significados desse ideograma ” 字 ”
Esta escrito no ombro de um personagem de video game que é um samurai
obrigado
Oi, estou em busca de um ideograma escrito “uma pessoa que respira dentro do coração de outra”. Por favor, se puderem me ajudar. Obrigada! Beijos.
Olá, gostaria saber o significado de: 歯科
Pretendo tatuá-lo e gostaria saber se é o que realmente penso que seja.
Obrigado
Oi Diogo
shika=odontologia
Abraços, Equipe Nipocultura