Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

Japão: tragédia e reconstrução II

(foto cedida pela Catedral Metropolitana de Florianópolis)

 Curae leves loquuntur, ingentes stupent”

 (As pequenas dores se manifestam,

as grandes ficam silenciosas)

 (Sêneca, phaedra, 607)

 

 Ao suceder dos trágicos fatos que se abateram sobre o Japão no dia 11 de março, vitimando quase 30 mil pessoas entre mortos e desaparecidos, incluíram-se mais alguns milhares, removidos da área de risco de radiação do entorno da usina atômica de Fukushima totalizando 250 mil desabrigados ou desalojados. Como acontece nas catástrofes naturais, muitos países costumam enviar ajuda e mensagens de conforto e encorajamento à nação vitimada. Na cidade de São Paulo, as igrejas de origem nipônica e os nipo-brasileiros rezaram pela alma dos japoneses mortos e em solidariedade ao sofrimento de toda a nação. Surgiram movimentos de apoio e arrecadação de fundos para as vítimas.

Florianópolis realizou também uma cerimônia religiosa no dia 27 de março. Idealizado pelo padre Vilson Groh, desta cidade, e capitaneados pela Associação Nipo-catarinense – ANC e pela Federação das Associações Nikkeis do estado de Santa Catarina – FANSC, a comunidade catarinense se fez presente no Culto Inter-religioso em apoio e solidariedade às vítimas do terremoto e do tsunami.

Os líderes religiosos, para início da cerimônia, depositaram cada qual na mesa central do culto – tribuna de onde se irradiou a palavra – o símbolo da sua devoção: arranjos florais de ikebana, considerados uma forma de meditação que leva ao aprimoramento espiritual do ser humano,  pelas representantes das igrejas, Sukyo Mahikari, sra Elza Damas e da Messiânica, sra Neide Imperatriz da Cunha;  a estatueta do Buda histórico Sakya Muni simbolizando a compaixão, pelo monge zen-budista Meiho Gensho; a Menorá, candelabro de sete braços que representa para os judeus a alma, o centro a partir do qual foi irradiada para o mundo a espiritualidade, pela sra Julia Silvia Guivant; o Alcorão, livro sagrado da religião muçulmana pelo sheik Amin Alkaram; o livro sagrado de sutras que contém a doutrina da Igreja Seicho-no-Ie, pelo sr Antonio Yochio Banki, e pelos católicos, o padre Vilson que trouxe o pão partilhado, representando para os cristãos, vida e o Cristo ressuscitado, que se doa como alimento e construção da solidariedade.

Comungando todos do mesmo sentimento de pesar e de levar conforto ao semelhante na dor da perda de vidas, fizeram suas preces e falaram de valores como a compaixão, a sabedoria, a transitoriedade da vida, o amor ao próximo, a Deus e respeito ao planeta. O pároco anfitrião que recebeu a todos na sua casa – a Catedral Metropolitana de Florianópolis – falou das doações que o Japão vem fazendo há anos ao estado de Santa Catarina totalizando 1,5 milhão de dólares. A comunidade que dirige de 320 menores carentes, intermediado pela ANC junto ao consulado do Japão, recebeu deste país a doação de mobiliário anos atrás. Observou que mais importante do que as doações materiais, é este momento de resgate da força do ser humano, é o alargamento do nosso coração para acolher o outro que sofre; disse da sua gratidão por diferentes religiões ali estarem como irmãos e terminou sugerindo “que o belíssimo gesto desta noite pudesse  se perpetuar, continuar, para juntos, irmanados, fazermos nossas preces; juntos, falarmos nossas palavras de conforto e esperança e juntos, ajudarmos a ser um legado de esperança para o mundo”.

No encerramento do culto, num delicado e pungente gesto, apagaram-se todas as luzes  – como as vidas que se foram deixando-nos com a alma sombria, no escuro – momento que nos convidava a uma reflexão com nossas convicções mais íntimas.

No altar, frágil e solitária, chama imorredoura em permanente vigília – luz para o caminho e aconchego para o desamparado – a bruxulear em gritante e eloquente silêncio….curae ingentes stupent.

 

Culto na íntegra

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