Butoh – a arte de Tadashi Endo apresentando a peça MA
Butoh – a arte de Tadashi Endo apresentando a peça MA (間)
A dança Butoh (舞 踏)- criada pelos mestres japoneses Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno – definida como a dança das sombras ou sombras da escuridão – , teve a sua apresentação em terras catarinenses na noite de 3 de junho, no teatro Garapuvu da Universidade Federal de Santa Catarina, campus de Florianópolis.
Apresentada como dança, o dançarino, sem os movimentos ritmados da música, é mais ator do que dançarino. Nesta peça, diante de urna funerária, o ator/dançarino desperta de seu recolhimento silencioso como a borboleta a sair do casulo, esticando suas asas em movimentos espasmódicos e intermitentes, como a despertar do estado letárgico de recolhimento, como um ser nascendo para a vida.
O mar – a infinita sepultura à sua frente – sempre pronto a recolher entre suas ondas, o resto do que fora vida, contida no frasco. Diante do desconhecido, do insondável, do imperscrutável, lança-se na busca. Se o que tem contido na urna não é mais a vida mas o que dela restou, o pó descorporificado, desespiritualizado, existindo numa dimensão diferente da sua, aplica-se também a si o abandono do corpo, desnudando a vida, presente no vermelho-vivo da veste.
“Meus pais diziam….” repete o refrão da canção okinawana. Agora sua sombra, qual alma errante, peregrina incessantemente, entre lamúrios, lamentos e espanto. Ao final desiste também e a abandona, ficando agora apenas com a instrumentalização mínima necessária à busca: o ver e o falar, que serão imprescindíveis caso a procura tenha sucesso.
Sem corpo, apenas seu desejo, seu procurar permanece, atento, com olhos e boca destacadas e todo o resto invisibilizados pela maquiagem branca qual sombra na escuridão. Como nos ideogramas chineses, expressa-se o invisível a partir do visível. O ator escreve um haicai no palco: máxima expressividade com o mínimo de meio. Na materialidade mínima da boca e dos olhos repousam a angústia e a dor da procura.
Busca infrutífera, mesmo visitando o passado na distante memória da infância. Entre os extremos da vida – o pó que restou inerte e a essência viva – não se encontra conexão alguma, nenhuma ligação. Nada existe.
Lança-se então a não-vida ao infinito. E segue-a procurando seu destino nas profundezas do desconhecido. Nem mesmo no seu interior, nas vísceras, extirpando-as desesperadamente, examinando-as cuidadosamente, ao custo do esvair de suas forças, nada encontra.
A angústia agora é frustração excruciante, insistente, repetida, latejante como a dor que pulsa incessante para, finalmente, prostrar o corpo, inerte.
Talvez o enigma da vida esteja em outra vida. Na flor, que se fez flor, pela vida. Talvez o enigma esteja mais profundo como o despertar do monge Kashyapa, quando Buda mostrou aos discípulos uma flor. Nenhuma resposta. Talvez alhures. No Ocidente, na França. Também aí não está, mas o viver pulsa forte e desejoso no refrão “não me deixe” que se ouve ao fundo, sugerindo que a busca não terminou.
Ma (間)- ideograma que significa “intervalo”, “espaço vazio” – , é o tempo/espaço onde se desenrola a dança/drama do mistério insondável do intervalo entre a morte e a vida. Nenhuma resposta para aplacar a dor e a angústia.
Encerrado o espetáculo, o ator/dançarino agradece ao público e num gesto largo, para o alto, para ambos os lados, saúda a vida, o Todo, como que a sugerir gozar e usufruir plenamente o período que temos desde o nascimento até a nossa morte, vale dizer, viver o hoje intensamente na sua plenitude. Carpe Diem.
Tadashi Endo se despede reverenciando serena e niponicamente os presentes.