Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

Aspectos históricos, etimológicos e lingüísticos da escrita ideográfica – kanji

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Breve História

Não se sabe ao certo como se originaram os kanjis. Há lendas que o situam entre 6000 a 5000 anos antes da nossa era. Conta-se que o historiador T´sang Chieh teve a idéia de expressar na escrita as coisas ao ver as pegadas deixadas por pássaros na neve.

Eisenstein situa essa época, dizendo, sem mencionar detalhes, que teria surgido “2650 anos antes de nossa era, esquematiza-se ligeiramente e, com seus 539 companheiros, forma o primeiro contingente de hieróglifos. Riscada com um estilete sobre uma tira de bambu….” por Ts’ang Chieh, o que situa o fato à época do lendário imperador-soldado Huang-Ti (2697 a. C. – 2597 a. C.). Muitos séculos depois, Confúcio (551 a. C. – 478 a. C.) falando das excelências do também semimítico governo Yao (2365 a. C. – 2255 a. C.), refere-se a um tambor na porta do palácio para ser tocado pelos que quisessem falar com o imperador e uma tábua, onde qualquer um poderia fazer sua reclamação.

Uma outra lenda diz que à mesma época, o imperador Fu Hsi, um dos três que governava a China de então, ainda não unificada, teria substituído as informações oficiais em nós nas cordas por algo escrito. Entre outras utilidades, havia a necessidade de se manterem registradas as fórmulas mágicas dos sacerdotes e a dos oleiros, em marcar suas obras. Os registros arqueológicos mais antigos da escrita foram encontrados inscritos em ossos de animais e cascos de tartaruga. Ossos encontrados em Honan mencionam governantes da dinastia Shang (1766 a. C. – 1123 a. C.), o que nos dá a certeza de que a escrita chinesa tem pelo menos essa idade.

  


Séculos mais tarde, durante a dinastia Han (206 a. C. – 220 d.C.), iniciada por Kao-Tsu, ocorreu a padronização dos ideogramas, fato que deu ao conjunto de caracteres o nome da dinastia.
A escrita chinesa passou então para a História como a escrita de Han, “hanzi”, niponizado como “kanji”, e “hanjya” em coreano.

Dos primitivos pictogramas cuja preocupação era a semelhança com o objeto representado, os ideogramas passaram por quatorze estilos diferentes até chegar à sua forma atual. Os caracteres atuais geralmente são versões simplificadas dos originais.

Com a simplificação, diminuiram-se os traços, metonimizou-se o pictograma, no dizer de Haroldo. Com o tempo os caracteres deixaram sua fase primitiva caracterizada pela iconicidade, isto é, fidedignidade ao objeto representado, e escritos com menos traços e metaforicamente empregados, passou para o estágio da simbolicidade. Hoje são representações minimalizadas e convencionalizadas, ou seja, o pictograma se modificou e perdeu muito de sua característica icônica, tornando-se irreconhecível em relação ao objeto original.

A elaboração do ideograma se fez obedecendo-se a seis princípios.

1.Representação pictórica: (shokei moji) à semelhança do homem primitivo que desenhava figuras no interior das cavernas, as primeiras escritas eram a representação direta de objetos visíveis. Os pictogramas “sol”(), “lua”, “árvore”, “montanha”, “rio”, “porta”, “homem”, guardam ainda hoje visível semelhança com o objeto real. Alguns têm variações para uso como radical, por ex, os pictogramas “homem”, “água”, “mão”, “cachorro”. 
2.Diagramação: uso de símbolos sem nenhuma iconicidade que o ligue à idéia representada. Por ex, o kanji que representa “em cima”, “em baixo”, os numerais “um”, “dois”, “três”.
3.Sugestão (kaii moji): se dá pela junção de dois ou mais kanjis sugerindo uma terceira idéia, de fundamental relação entre ambos, porém, de significado diferente. Não é a soma de idéias, mas o produto da combinação, porque o que se expressa é a idéia daí advinda, isto é, um conceito, algo que graficamente não pode ser representado. É o visível a representar o invisível. “E é”, como confessa Eisenstein, “exatamente o que fazemos no cinema, combinando tomadas que pintam, de significado singelo e conteúdo neutro – para formar contextos e séries intelectuais”.

 Exemplos:

“homem” + “árvore” = descansar;

“orelha” + “porta” = ouvir;

“sol” acima da linha do horizonte = aurora;

“o que liga três planos: céu, terra e homem” = o que governa, governar;

dois pictogramas “árvore” = bosque;

três pictogramas “árvore” = floresta ()

sol levantando-se, entre os galhos de uma árvore = o leste;

“mulher” + “filho” = verbo gostar, mas também significa bom;

“plantação de arroz” + “força” = homem, macho;

“mulher” sob um “teto” = segurança.

 Neste modo de formação a correlação entre os significados se dá pelo radical. Por ex, os verbos lavar (洗う), fluir流れる, afogar溺れる, flutuar浮かぶ, chorar泣くe os substantivos óleo, caldo, tanque de peixe, lago, mar, oceano, represa, lágrima, têm o pictograma “água” ( como radical. “Alma” é radical ou está presente nos ideogramas “sentimento”, lealdade () “amor”, “sabedoria”, pensamento”() , “felicidade”, “vontade”, “consolar”慰める, “namorar” entre outros.

4.Combinação (keisei moji): juntam-se para a composição do ideograma “um elemento significativo e um fonético”. O primeiro indica a classificação do ideograma num dos 214 radicais, o segundo é o sinal diacrítico que indica a pronúncia. Por ex, o kanji “oceano”(洋) se escreve juntando-se “água”(水) mais “ovelha”(羊) porque a pronúncia yang em chinês, tanto significa ovelha como oceano, tendo este kanji, o “água” ao lado do kanji “ovelha”, para indicar a que yang se refere. Ou o kanji t’áng(糖 – açúcar que é composto por mi(米 – arroz indicando sua natureza com algum cereal e t’áng(唐), palavra usada como nome próprio e aqui apenas como elemento fonético.
 
5.Derivação de significados: (tenchu moji) são os kanjis cujo significado passou a abranger também o efeito causado pelo objeto. Metonimizou-se não o ideograma, mas seu significado. Assim, instrumento musical ( ) passou a significar também seu efeito, o gozo, o deleite.
 
6.Empréstimo fonético: (kashaku moji) é o uso dos caracteres dando-se prioridade à foneticidade, mais do que ao significado.Yuen Ren Chao cita o caso do kanji lai () que teve seu significado tomado por empréstimo de um outro, apenas pelo critério da semelhança da foneticidade. Originalmente lai,() significava apenas um tipo de grão, mas veio a ser usado também como o verbo vir, pois ambos têm a mesma pronúncia, e ch’i(其), que significava “pá de lixo”, pela homofonia passou a significar também o pronome possessivo “seu”. Tal recurso foi utilizado pelo Japão na grafia de nomes estrangeiros até a reforma ortográfica de 1946 como veremos adiante.Da sua natureza pictórica nasceu a importância de se dar beleza estética ao ideograma escrito, constituindo-se na arte do shodô – caminho da escrita. Talvez não por coincidência, como afirma Yu-Kuang Chu, a arte chinesa se sobressaia no campo visual.

Alguns estilos de kanjis

O kanji criou suas raízes também no Vietnã, por força da administração chinesa entre 111 a. E.C. e 939 E.C., constituindo-se sua escrita oficial o chinês clássico, denominado Chu-nho, utilizado concomitantemente com o sistema de transliteração para o alfabeto latino criado no séc. XVII, quõc-ngu (linguagem nacional). A partir de 1920 o sistema ideográfico chinês foi abandonado.

Bibliografia:
Cf História da civilização – Will Durant – nossa herança oriental – 1.a parte tomo 2 ed 1942 Cia Ed Nac
Usei os termos ideograma qdo me refiro à construção ideal do signo; kanji como signo específico e
caracter como signo geral ( n. a)
Ibidem pag 174
Cf – Ideograma – Haroldo de Campos – Edusp 4ª ed pag 150
Cf opus cit- História da Civilização – pag 173
Cf www.kanjigraphy.com
Cf opus cit Ideograma – pag 150

Cf opus cit Ideograma – pag 208-209
Ibidem – pag 151
Ibidem – pag 210
Cf Língua e sistemas simbólicos – Yuen Ren Chao – Cia Ed Nacional – ed 1970 – pag 101
Ibidem
Cf
www.kanjigraphy.com
Cf www.omniglot.com/writing/chunom.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ch%E1%BB%AF_nho

10 thoughts on “Aspectos históricos, etimológicos e lingüísticos da escrita ideográfica – kanji”
  1. Bom dia! Estou a procura de alguém que já conheça ou que tenha informações sobre o Caminho do Shikoku. Este caminho percorre um rota de +-1400km passando por 88 templos na ilha de Shikoku.
    muita paz, luz e harmonia.
    Edson

  2. De maneira geral, achei o artigo muito bom. Gosto muito de estudar sobre a formação dos kanji, embora não seja nenhuma especialista no assunto.

    Por isso mesmo, gostaria apenas de fazer algumas ressalvas quanto à tradução para o português de alguns dos kanji apresentados no artigo: Até onde sei, 沼 não significa lago, mas “pântano”. Para a palavra “lago”, costumam ser utilizados dois kanji diferentes: 湖 (mizuumi, KO) para lagos grandes, como o 琵琶湖 (Biwako), o maior lago do Japão; e 池 (ike, CHI, TA) para lagoinhas, lagunas e, como mencionado no artigo acima, tanques de peixes. Para represa, o pessoal por aqui pegou emprestada a palavra do inglês (“dam”) e costumam falar (e escrever) ダム, embora também existam as palavras 人造湖 (jinzouko)*, 人工湖 (jinkouko)* e 堰 (seki).

    * Estas duas palavras se referem mais às águas represadas ou reservatório, e também significam lagos artificiais, mesmo que não contenham represas.

  3. gostei muito do artigo. expôs de forma clara e objetiva. parabéns pela explanação. abraço

  4. Eu gostaria de saber como se escreve imagem da alma em chines quero faser uma tatuagem escrita em chines imagem da alma .

  5. Oi meu nome é Rodrigo,e queria saber se você poderia me mandar meu nome em Kanji, pois queria fazer uma tatuagem com o meu nome.
    Obrigado

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