Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance

A Shindo Renmei | 臣道連盟 – I

Chamada “Liga do caminho dos súditos”, foi uma organização nacionalista surgida na comunidade dos imigrantes nipônicos no estado de São Paulo, na década de 40,  com o objetivo de “unificar de novo a colônia em torno do Yamatodamashii, o espírito japonês”. Para a polícia paulista e para os órgãos de imprensa, era tida como uma organização de imigrantes japoneses fanáticos e perigosos; mesmo assim a liga chegou a ter mais de 64 filiais espalhadas pelo estado de São Paulo e Paraná, 100 mil sócios-contribuintes e mais 60 mil simpatizantes – mais da metade da população de japoneses no estado de São Paulo, movimentando cerca de 500 mil dólares mensais, gastos com material de propaganda, movimentação de seus organizadores e executores, salário de uns poucos líderes e boa parte para “engraxar” a mão de autoridades para relaxar a prisão de seus membros. Seu surgimento foi a revelação do reacionarismo e orgulho do espírito japonês, incapaz de conviver com a ideia de derrota do Japão na Segunda Guerra.

Ao se alinhar aos EUA na Segunda Guerra, os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), automaticamente tornaram-se inimigos do Brasil.  Leis até então esquecidas, de restrição à imigração e ao imigrante, foram desengavetadas e passaram a ser aplicadas cada vez com mais rigor por um governo que se sentia muito incomodado com a maciça presença de estrangeiros das nações do Eixo no país. Precavendo-se do “perigo amarelo”, leis federais de nacionalização do imigrante foram promulgadas: uma de 1933 proibia o ensino da língua dos países inimigos a menores de dez anos, imigrante ou nascido aqui. Outra de 1938 obrigava as escolas rurais (onde se concentrava a maioria da população imigrante) a serem regidas por brasileiros natos.  O estado de São Paulo endureceu mais ainda as restrições aos imigrantes, após o rompimento das relações diplomáticas com os inimigos beligerantes, proibindo: a disseminação de quaisquer escritos em idiomas dos países referidos;  o uso de seus idiomas em público; o canto, saudação ou exibição de retratos de membros do governo de seus países;  viajar sem autorização do governo;  reuniões e discussões sobre situação internacional; o uso de armas, mesmo com autorização previamente obtida; mudança de residência sem prévia autorização.

No estado de São Paulo em 1942 os mais de 200 mil japoneses foram obrigados a renovar seus registros e em setembro daquele ano foram obrigados a entregar à polícia todos os aparelhos de rádio, única fonte de notícias do Japão. Foram proibidos de usar também seus veículos automotores que ficariam sob guarda policial. Em 11 de março de 1942 o governo Vargas decidiu que os prejuízos causados pelos bombardeios alemães a navios brasileiros seriam pagos com depósitos bancários dos imigrantes residentes no Brasil. Para assegurar tal indenização, qualquer depósito superior a dois contos de réis (cerca de 112 000 reais atuais) de imigrantes de países inimigos, sofreria o confisco de dez a trinta por cento. E ao negociar com esses imigrantes o brasileiro arcava com a responsabilidade de verificar o cumprimento do depósito compulsório. Logo depois, o garrote apertou ainda mais: qualquer operação financeira com esses imigrantes deveria ser previamente autorizada pelo Banco do Brasil. O que parecia insuportável ficou ainda pior:  o governo interveio nas empresas controladas pelos imigrantes afastando seus diretores e nomeando diretores brasileiros. O japonês,   cujo  sonho de retorno se mostrava cada vez mais distante, já parecia viver o inferno com as  dificuldades de adaptação, não obstante as mais de  três décadas em solo brasileiro. Agora vivia-o, mas, piorado. Tinha diante de si o prelúdio do “suportar o insuportável e sofrer o insofrível”, que mais tarde, com a rendição, o Japão inteiro em choque, ouviria do seu imperador.

Ministro das Relações Exteriores do Japão, Mamoru Shigemitsu, assina a Ata de rendição do Japão

Todas as dificuldades que vivia e as ações da polícia, repentinas, violentas, persecutórias, ainda não lhes pareceram suficientemente coibitórias – ou seu desejo era maior do que o temor.  O que parecia realmente insuportável ao imigrante japonês era o fechamento de escolas. E às escondidas, à noite, várias funcionaram burlando a lei. Muitas eram fechadas por denúncias  de vizinhos mas outras eram abertas clandestinamente. Para ocultar suas atividades, funcionavam de madrugada, em apertados e desconfortáveis porões, em disciplinado silêncio. Ainda assim, eram visitadas pela polícia motivados por rumores de vizinhos. Como nos regimes totalitaristas, era melhor ser amigo do rei. Bastava uma denúncia, mesmo anônima. Em ambos, lá e aqui, o pretexto era o mesmo: a nação acima de tudo, a ordem e a segurança nacional, prestação de serviço à pátria. Fernando Moraes cita o caso de um brasileiro, Odilon Martins Cruz que se orgulhava de ter fechado pessoalmente mais de cem escolas na região da Alta Paulista. As delegacias se enchiam de produtos confiscados: livros escolares em japonês, cadernos, lousas e gizes.  O sofrimento não era diferente na capital: as ruas, dos Estudantes e Conde de Sarzedas – onde residiam numerosos imigrantes japoneses que deixaram a agricultura para se tornarem pequenos comerciantes – foram invadidas no meio da noite por policiais da Força Pública e policiais do DOPS para distribuir ordens de despejo: “por razões de segurança nacional” os japoneses deveriam desocupar o imóvel em doze horas. Até o meio da tarde seguinte, cerca de 400 famílias foram despejadas e seus pequenos comércios vendidos a qualquer preço. Antes que se findasse o ano de 1942, ainda três despejos compulsórios como esse foram repetidos.

CARONE, Iray e alii (org). Psicologia social do racismo. Petrópolis:Vozes, 2012. MORAES, Fernando.  Corações Sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
YAMASHIRO, José. Japão Passado e presente. São Paulo: Ibrasa, 1986.

Referências

 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Shindo_Renmei

http://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil

http://www.usp.br/proin/download/revista/revista_seminarios3_prisioneirosguerra.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/R%C3%A9is

http://es.wikipedia.org/wiki/Nacionalismo_japon%C3%A9s

http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Xavier

http://madeinjapan.uol.com.br/2007/05/09/japao-de-todos-os-santos/

http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=D2F0C736-3048-560B-1C811E2509EF36B9&mes=Fevereiro1997

http://www.catolicosdobrasil.com.br/tag/japao/

http://www.embaixadadeportugal.jp/centro-cultural/portugal-e-japao/historia-cronologia/pt/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Matthew_Calbraith_Perry

http://pt.wikipedia.org/wiki/Restaura%C3%A7%C3%A3o_Meiji

http://www.infopedia.pt/$a-abertura-do-japao-a-conquista-do-pacifico

http://www.grandesguerras.com.br/artigos/text01.php?art_id=66

http://www.grandesguerras.com.br/artigos/text01.php?art_id=189

http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000393553

http://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-descendente

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