A dança butoh
A dança Butoh – 舞 踏
Surgiu no Japão na década de 50 com Tatsumi Hijikata (1928 – 1986) e Kazuo Ono (1906 – 2010), este seu mais conhecido divulgador.
Na sua origem tinha o nome de Ankoku Butoh (dança da total escuridão); hoje conhecida apenas por Butoh.
Definida como dança das sombras, sombras na escuridão, crazy dance ou free style, é ensinada por seus criadores mais como um modo de viver, uma filosofia de vida e não como dança.
Bu – 舞 – significa dança e Toh – 踏 – outra leitura para o verbo fumu, significa pisar. O criador Kazuo Ohno faleceu com 104 anos mas pisou no palco até os 103. Dizia que a prática do butoh não tem fim, porque é apenas o viver. “Eu não estou interessado em uma bela estrutura de dança nos moldes tradicionais. A Dança é um caminho de vida, não uma organização de movimentos”, ensinava. Hijikata, por sua vez, conceituava o butoh como uma rebelião à sociedade industrializada, tecnificada, massificada. As raízes do butoh nos remete a algo mais distante, na mitologia xintoísta, ao descrever como estratégia para tirar a deusa Amaterasu da caverna, a dança da deusa Ame-no-uzume que “dança como se estivesse possuída por uma divindade”, rasga suas vestes, descobre seus seios, mostrando parte do seu corpo.
Calcada fortemente na cultura japonesa, o butoh daí extrai a ideia de Caminho, conceito central na ética xintoísta – a religião primitiva do Japão. Viver é apenas estar no Caminho; para o butoh, estar no palco, e aí expressar todo o eu: o corpo nu, desprovido das fantasias e paradigmas sociais da linguagem das vestes e a alma solta, para apresentar livremente a individualidade do verdadeiro eu, sem as máscaras: as imperfeições, o oculto, a fraqueza, a dor, o medo, a angústia, o desespero. “É a rejeição da superficialidade do banal, é deixar o corpo falar por ele mesmo”, definia outro mestre do butoh. Ao se rejeitar o banal, mergulha-se em outro tipo de beleza: “a beleza das coisas imperfeitas, impermanentes, incompletas, modestas, humildes e não convencionais”, como os japoneses conceituam o wabi-sabi – outra ideia sobre que se funda a cultura japonesa. “Sugere o fato essencial e evidente da impermanência e por isso desencadeia no espectador uma contemplação serena que é unida à compreensão da fugacidade de tudo o que existe. Ao tomar consciência dessa fugacidade, contemplamos a vida a partir de outra perspectiva”, como a conceitua Miralles.
Não há estilo no butoh: vai do grotesco ao austero; do erótico ao cômico; por vezes é visto como surreal, de dançarinos/atores andróginos. Caracteriza-se mais pela intensa expressividade das condições humanas primitivas em detrimento da beleza plástica do cenário e dos dançarinos; estes fluem no palco e mesmo os micro-movimentos são intensos, como espasmos a denotar o início ou o estertor da vida.
O corpo nu, maquiado de branco em fundo escuro (shades of darkness) – como o negativo da sombra do corpo ao sol – , e os pés descalços – movimentam-se tocando diretamente o solo, sem intermediários entre o homem e sua origem/destino, por onde rasteja seu corpo mergulhado, deitado, integrado ao real agressivo, caótico, indiferente às necessidades de seu interior. Este, inconformado, mostra-se então, assustado, amedrontado, sofrido. Os pés tocam no chão real e o coração mostra o padecimento da dor e o momento angustiante do desejo de fuga. Os pés tocam a existência, o coração, a essência.
Mostrar o homem com sua alma nua, verdadeira, real, é de onde o butoh tira sua maior força como expressão artística. Não pretende mostrar a eternidade da beleza da arte mas a arte da finitude que envolve a vida, e enquanto vida, a angústia, o sofrer, os nossos “demônios de significado universal” interiores.
Referências:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Butoh
http://www.mimus.com.br/solange2.pdf
http://www.japantimes.co.jp/culture/2016/05/28/books/book-reviews/butoh-dance-death-disease/#.WUGalBgrJEY
Koren, Leonard Wabi-sabi. Imperfect Publishing Point Reyes, California, 2008.
Miralles, Francesc. Wabi-sabi. Editora Record. Rio de Janeiro, 2017