Nipocultura: a cultura japonesa ao seu alcance
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110 anos de Akira Kurosawa

Por Iochihiko Kaneoya

Hoje Kurosawa faria 110 anos. Nascido num subúrbio de Tóquio em 23 de março de 1910, descendente de samurai, era o filho mais novo do diretor de escola Isamu Kurosawa que teve com a esposa Shima, oito filhos.

Frequentou o Centro de Pesquisas e Arte Proletária de Tóquio mas teve que abandonar por falta de dinheiro. Mesmo tendo passado curto período na escola de arte, trabalhou como ilustrador de revista. Seu irmão Heigo, quatro anos mais velho era benshi (narrador no cinema mudo). Kurosawa tinha pelo irmão grande afeto e admiração. Naquela época o sucesso do cinema mudo dependia muito do talento de quem narrava e Heigo orgulhava-se muito do seu trabalho.

Um dia, veio o cinema falado. E a nova arte nascente não precisava mais de benshi. Heigo perdeu o emprego que lhe significava muito – era sua identidade profissional e social. Desempregado, não sabia fazer outra coisa, caiu em depressão e se suicidou.

O jovem Akira de sensibilidade extremada (na infância tinha o apelido de Konpeito-san – um tipo de doce delicado da culinária japonesa que derrete-se fácil, como o garoto, em lágrimas – ), ficou profundamente abalado pela morte do irmão. Retirou-se da vida social e isolou-se no seu quarto por longo tempo. 

Passado essa fase, atendeu anúncio de jornal e se empregou como assistente do diretor Kajiro Yamamoto na P. C. L. (Photo Chemical Laboratories), que mais tarde se tornaria a Toho, grande empresa cinematográfica.

Durante sua carreira de mais de 50 anos, dirigiu mais de 30 filmes. Era acusado de ser muito ocidental porque gostava de filmar adaptações feitas por ele baseados em clássicos da literatura como Shakespeare (Ran baseado em Rei Lear de 1985 e Trono manchado de sangue baseado em Macbeth em 1957) ou Dostoievski (O Idiota em 1951). Mas o Ocidente apreciou suas obras mais do que a de qualquer outro cineasta japonês, filmando versões do clássico Os Sete Samurais de 1954 (Os Sete Magníficos, com Yull Brynner em 1960 e em 2016, Sete homens e um destino com Denzel Washington). Rashomon (1950) teve também versões filmadas em Outrage de 1964 com Paul Newman e em 2011 filmado na Tailândia com o título At the gate of ghost.

Criticado, tendo sua sanidade mental posta em dúvida e desacreditado por sucessivos insucessos (Tora, tora, tora de 1968 e Runaway Train que foi cancelada em 1968), filmou Dodeskaden em nove semanas tentando provar sua competência. Mas, novamente, nem o público nem a crítica receberam o filme como Kurosawa esperava, além de ter sido fracasso de bilheteria. Amargurado, tentou o suicídio em dezembro de 1971. Felizmente para o mundo do cinema e da arte, Kurosawa se revelou um suicida incompetente. Desacreditado também entre produtores que receavam, agora mais ainda, financiar seus trabalhos, aceitou convite do estúdio soviético Mosfilm e filmou em 1973 na Rússia, Dersu Uzala.

Desenhava os detalhes das roupas, das cenas de batalha, da posição dos atores.

Detalhista, filmava várias vezes a mesma cena, orientando movimentos minuciosos como os do teatro Noh e Kabuki, o tom da fala, os olhares de seus atores que trabalhavam em chão onde eram demarcadas suas posições e a extensão de seus movimentos como nos diálogos em Ran. Não trabalhava com atores no topo da carreira, acabados, prontos para o uso. Dizia que o ator tinha que ser até 70%. O resto, era dele, Akira, que o ator tinha que absorver. Dizia que cenas perfeitas mas sem emoção tinham que ser descartadas; por isso costumava acompanhar a edição.  Não apenas editava, escrevia roteiros, fazia adaptações, orientava tomada de câmera e sugeria até o tipo de música e o instrumento musical adequado para a cena. Sempre gentil, quando havia impossibilidade física de seus atores em executar a cena como desejava, adaptava a cena com artifícios técnicos de que não gostava. Dava espontaneidade para os atores, principalmente crianças. E se gostasse da espontaneidade, algo fora do que havia imaginado do script original, reescrevia o diálogo, mudava a cena, o ângulo da câmera e filmava novamente. A expressão, a emotividade ocupava o lugar principal nos seus trabalhos. Às vezes com dificuldade técnica, era ajudado por amigos estrangeiros, também cineastas. Em Sonhos imaginava uma cena que lhe era tecnicamente impossível – um visitante apreciando pintura de Van Gogh e entrando no quadro cuja pintura ganhava vida. Foi ajudado por George Lucas que lhe dispôs seu laboratório de efeitos especiais, intermediado por Martin Scorcese. Agradecido, fez deste o Van Gogh no episódio Corvos do filme Sonhos. 

Em 1990 ao receber o Oscar honorário das mãos de Spielberg e George Lucas declarou: “Não sei se mereço esse prêmio porque não entendo muito de cinema e acho difícil captar e dominar a essência dessa fantástica arte. Quero continuar me esforçando no meu trabalho e este prêmio me é certamente um grande incentivo ”.

No íntimo deve ter se sentido recompensado quando quase 60 anos antes, resolveu desvendar o que de terrível havia naquela arte sem a qual seu querido irmão não quis mais viver.

Seus personagens deixam-nos sempre a mensagem da concórdia, da harmonia, do amor e respeito ao ser humano e à natureza. Lírico e pacifista, é também intimista que nos leva a reflexões com suas mensagens com temas como a morte, a  natureza, as relações entre a velhice e a infância, a ligação que une professor e aluno, incomum na cultura ocidental, que vemos em Madadayo. 

Kurosawa escrevia poesia nas telas.

Em 6 de setembro de 1998 perdemos o poeta do cinema.

Referências:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Akira_Kurosawa

http://www.ufscar.br/~cinemais/artakira.html

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